Dia de hoje 21
21
021/12/22, Café Martins, Amarante
I
Hoje percorri
Em passo lento e desalentado
Antigos trilhos da juventude
Hoje, ao percorrer
Aqueles antigos trilhos,
Senti-me um trapo.
Senti-me um trapo
Velho, sujo e roto
Pelos atalhos que tomei.
Atalhos que tomei
Consciente ou inconsciente
Foram as vias que escolhi.
As vias que escolhi
Que me levaram tão longe
Do futuro que me imaginei.
Do futuro que me imaginei,
Sem peias, nem amarras,
Sem poiso, nem morada.
Sem poiso e sem morada,
Vagabundo da vida,
Vivendo o dia-a-dia.
Vivendo o dia-a-dia
Como se fosse o primeiro
De uma vida sempre a renascer.
Trilhos antigos que me levaram
A mirar o velho Tâmega,
Cemitério de sonhos mortos.
Trilhos antigos
De onde mirei velhos telhados,
Verde musgo de voos caídos.
Trilhos antigos
Atapetados de douradas folhas
Coberta leve de futuros mortos.
Trilhos antigos
Iluminados por relâmpagos
Que se evadem deste trapo roto.
Trilhos antigos,
Sonhos mortos,
Vida suspensa.
II
Não sei onde pertenço.
A certidão de nascimento
Menciona uma localidade.
A experiência de vida
Diz-me que é mentirosa
A certidão de nascimento.
É mentirosa.
Sinto-me nascido
Numa localidade que não há.
Contudo sei que nasci
Naquela localidade inexistente,
A mais bela do mundo.
É atravessado,
De Norte para Sul por um fio
De água pura a pratear os campos.
De Sudoeste para Nordeste
Atravessa-a uma fita negra
Tecida a alcatrão.
A Oeste uma colina
Que rapidamente desce
Para um riacho.
A leste outra colina
Que, de salto em salto,
Se vai banhar no rio.
No seu Centro, descentrado,
Há uma escola
Que ensina os mistérios do Além.
No seu Centro, descentrado,
Situa-se a escola
Que ensina o aqui e agora.
No seu Centro, descentrado,
Um perfume doce exala-se
Das tílias que o ornamentam.
Nessa localidade inexistente,
Mas que é de tal grandeza
Que nenhum mapa a contém.
Lá, dei os primeiros passos.
Lá, disse a primeira vez pai e mãe.
Lá, dei a primeira risada.
Minha Terra tão querida.
Minha Terra tão bonita.
Minha Terra tão inexistente.
Zé Onofre