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Dia de Hoje

Dia de Hoje

21
Set22

Dia de hoje 62

Zé Onofre

              62

 

022/09/20

 

Há uma figura

No parapeito de uma janela.

Deixaram-na ali,

Numa forma de alguém

Com ossos, carne e pele.

 

Parece olhar.

Parece ouvir.  

Parece ser, contudo não é.

É qualquer coisa abandonada

Sem espaço e sem tempo.

 

De repente, um sopro

Insuflou movimento autónomo

Àquela figura.

Naquele momento aconteceu algo espantoso.

Para ela nasceu o espaço, nasceu o tempo.

  Zé Onofre

07
Jan22

Dia de hoje 23

Zé Onofre

              23

 

022/01/07

 

Ontem segui os meus passos.

Deixei-me guiar

Por caminhos dos meus olhares.

Parei frente à janela

Da “moleirinha”,

Do “ai há quantos anos…”,

Da “velha, da cabaça e do lobo”,

Das noites escuras estreladas,

Dos campos verdes a bordejar de água,

Dos milheirais amarelecendo,

Do fio de água

Feito lago grande

Presa num muro de pedra feito barragem.

 

Os meus olhares,

Que foram atrás dos meus passos,

Ainda tentam ver

Nos recantos do passado

Os meus amigos da escola e da catequese.

 

Meus companheiros,

Do alvorecer da vida,

A serpentear por entre os pés de milho,

A mergulharmos nus,

Ou em cuecas,

Naquele eterno lago,

Que o fio ténue de água

Descendo do alto da encosta

Vem alimentar.

 

Num outro quadro do passado

Vislumbro-me aninhado ou dobrado

Com os meus amigos de brincadeiras  

Nas bordas daqueles campos  

Que rodeavam aquele fio de água –

Que regará campos,

Moverá moinhos.

Rodas de fabriquetas,

Antes de se atirar ao mar

Depois de acompanhar rabelos –

A apanhar uns frutinhos vermelhos

Perfumados de aroma silvestre,

Morangos tão saborosos,

Mil vezes mais saborosos

Do que os enormes e vistosos,

Nascidos no mimoso cativeiro das estufas.

  

O nevoeiro do passado levanta-se.

São agora os meus olhos tristes

Que escorrem água salgada

Para o lago-memória

Que trago em mim.

 

Meus companheiros

De escola e catequese,

Meus amigos recolectores de frutos silvestres,

Mataram aquele fiozinho de água,

Onde no verão refrescávamos os corpus nus,

Apenas cobertos pelos milheirais.

As pequenas encostas,

Onde cresciam livres,

Saborosos e perfumados morangos.

Aquele fiozinho de água

Que levava misturado  os nossos risos,

Através de campos,

Moinhos,

Fabriquetas,

A acompanhar rabelos até se dissolver no mar.

  

Meus companheiros

De escola e catequese

Mataram aquele regatinho

Onde ontem sonhávamos aventuras.

Hoje, aquele leito que foi de água corrente,

É uma parada linha negra,

Por onde passam correndo

Pessoas, prisioneiras de máquinas,

Com destino marcado

Sem tempo para sonhar.

   Zé Onofre

 

16
Dez21

Dia de hoje 19

Zé Onofre

              19

 

021/12/16

 

                    I

 

Era uma vez uma menina.

Era uma vez uma mesa.

Era uma vez um frasco de cola.

Era uma vez uma parede.

 

                    II

 

Era uma vez uma menina …

Em casa, sozinha,

Sem nada para fazer.

Já tinha olhado

A paisagem além da janela.

Já tinha pegado num livro

Leu duas páginas e cansou-se.

Já tinha pegado em lápis,

Em tintas e pincéis.

Nem a pintura e o desenho

Lhe interessaram.

 

                    III

 

Era uma vez uma mesa.

Desanimada sentou-se à mesa.

Passou os olhos pelo quarto.

Nem a cama a seduzia.

A um canto um cesto de papéis

Esperavam a ordem de despejo.

Mais além, fora de lugar,

Um rolo de papel de cenário,

Esperava ordem de se arrumar.

Levantou-se pegou no rolo,

Inerte largou-o em cima da mesa.

 

                     IV

 

Era uma vez um frasco de cola.

A menina olhou-o por um momento.

De seguida mirou o rolo de papel.

Num canto da mesa uma tesoura.

No canto o cesto dos papéis.

Os seus olhos brilharam.

Desenrolou o papel.

Foi buscar o cesto dos papéis.

Pegou num dos papéis.

Uma tesourada, uma pincelada de cola.

Deitou-os, cada um no seu canto, do papel.    

 

                     V

 

Era uma vez uma parede.

Na mesa do quarto ia grande azáfama.

Uma menina tesourava e colava,

Na mesa o papel de cenário

Estava quase vestido de papéis.

Mais papel, menos papel e pronto.

Ainda havia papel nas mãos pegajosas.

Colou papel sobre papel, feliz com a sua obra.

O chão ladrilhado de papelinhos, que importava?

Faltava um último retoque, arrumar a sua arte.

Com todas os requintes pendurou-a na parede.

Zé Onofre 

14
Out21

Dia de Hoje 9

Zé Onofre

9

2021/10/14

 

Era uma vez uma casa.

 

Era uma vez um quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez uma cama

Que ficava no quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez um jovem

Que dormia na cama

Que ficava no quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez um menino

Que dormia com o jovem

Que dormia na cama

Que dormia no quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez um jovem

Que contava historinhas

Ao menino que com ele dormia

Na cama

Que ficava no quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez um menino

Que dormia sonhando

Com as historinhas

Que o jovem irmão

Lhe contava na cama

Que ficava no quarto

Que ficava na casa.

 

Era uma vez um menino

Que se levantava da cama

Que saía em sonhos

Pela janela

Daquele quarto

Que ficava na casa.

 

 

 

 

19
Set21

Dia de Hoje 2

Zé Onofre

             deonde  2

 

2021/09/19

 

Havia.

Lá na minha aldeia,

Perdida entre montes,

Havia

Uma corrente de água.

 

Havia.

Lá, do outro lado da estrada,

Onde ficava a minha casa,

Havia

Uma corrente de água.

 

Havia.

Lá, entre dois campos verdes,

Em frente à minha janela

Havia

Uma corrente de água.

 

A corrente de água

Que havia

No meio dos campos verdes

Em frente da minha janela,

Do outro lado da estrada,

Onde ficava a minha casa,

Na minha aldeia,

Não sabia de onde vinha.

 

A corrente de água

Que havia

No meio dos campos verdes

Em frente da minha janela,

Do outro lado da estrada,

Onde ficava a minha casa,

Na minha aldeia,

Não sabia para onde corria.

 

Apenas sabia

Que naquela corrente de água

Que havia

No meio dos campos verdes

Em frente da minha janela,

Do outro lado da estrada,

Onde ficava a minha casa,

Na minha aldeia,

Que vinha não sei de onde,

Que ia não sei para onde,

Vivia as minhas aventuras marinheiras.

 

Hoje

Penso que sei

Que aquela corrente de água

Que havia,

No meio dos campos verdes,

Em frente da minha janela,

Do outro lado da estrada,

Onde ficava a minha casa,

Na minha aldeia,

Que vinha não sei de onde,

Que ia não sei para onde,

Levava-me sem saber

Para além do mar.

Zé Onofre

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