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022/01/07
Ontem segui os meus passos.
Deixei-me guiar
Por caminhos dos meus olhares.
Parei frente à janela
Da “moleirinha”,
Do “ai há quantos anos…”,
Da “velha, da cabaça e do lobo”,
Das noites escuras estreladas,
Dos campos verdes a bordejar de água,
Dos milheirais amarelecendo,
Do fio de água
Feito lago grande
Presa num muro de pedra feito barragem.
Os meus olhares,
Que foram atrás dos meus passos,
Ainda tentam ver
Nos recantos do passado
Os meus amigos da escola e da catequese.
Meus companheiros,
Do alvorecer da vida,
A serpentear por entre os pés de milho,
A mergulharmos nus,
Ou em cuecas,
Naquele eterno lago,
Que o fio ténue de água
Descendo do alto da encosta
Vem alimentar.
Num outro quadro do passado
Vislumbro-me aninhado ou dobrado
Com os meus amigos de brincadeiras
Nas bordas daqueles campos
Que rodeavam aquele fio de água –
Que regará campos,
Moverá moinhos.
Rodas de fabriquetas,
Antes de se atirar ao mar
Depois de acompanhar rabelos –
A apanhar uns frutinhos vermelhos
Perfumados de aroma silvestre,
Morangos tão saborosos,
Mil vezes mais saborosos
Do que os enormes e vistosos,
Nascidos no mimoso cativeiro das estufas.
O nevoeiro do passado levanta-se.
São agora os meus olhos tristes
Que escorrem água salgada
Para o lago-memória
Que trago em mim.
Meus companheiros
De escola e catequese,
Meus amigos recolectores de frutos silvestres,
Mataram aquele fiozinho de água,
Onde no verão refrescávamos os corpus nus,
Apenas cobertos pelos milheirais.
As pequenas encostas,
Onde cresciam livres,
Saborosos e perfumados morangos.
Aquele fiozinho de água
Que levava misturado os nossos risos,
Através de campos,
Moinhos,
Fabriquetas,
A acompanhar rabelos até se dissolver no mar.
Meus companheiros
De escola e catequese
Mataram aquele regatinho
Onde ontem sonhávamos aventuras.
Hoje, aquele leito que foi de água corrente,
É uma parada linha negra,
Por onde passam correndo
Pessoas, prisioneiras de máquinas,
Com destino marcado
Sem tempo para sonhar.
Zé Onofre