28
022/02/19
Numa aldeia, daquelas do era uma vez,
Quando o imprevisto acontecia dizia-se
– A culpa foi do chão em xadrez.
Naquela aldeia entre montados,
Havia uma rapariga e um rapaz
Que desde a primária eram namorados.
A seguir, foi o tempo do liceu.
Separados, a coeducação era tabu,
O enleio entre os dois permaneceu.
Juntos foram para a mesma Universidade.
Uma fonte chora as lágrimas de Pedro e Inês
E na mesma cidade há o Penedo da Saudade.
No mesmo ano naturalmente
Acabaram, como esperado, o curso.
Celebraram-no entre famílias evidentemente.
Naquela aldeia, em tudo às outras igual,
Esperava-se, com curiosidade genuína,
Que aqueles dois dessem o nó final.
Como o tempo passava e nada acontecia,
Começaram as apostas cada vez mais altas
Ganhava quem acertasse no esperado dia.
Um dia, sempre na mesa do canto
Do único café, divergiram os olhares.
Quando se fixaram tinham cara de espanto.
Após tantos anos viram pela primeira vez
Que o chão do café, onde iam desde sempre,
Era feito de azulejos assentados em xadrez.
No adro da igreja, os vizinhos sentados,
Aspiravam o doce aroma das tílias,
Factos, de todos os dias, para eles tão inusitados.
Aperceberam-se, então, naquele momento
Que não conheciam o mundo. E a eles
Conhecer-se-iam? Não haveria casamento.
Um coro único varreu a aldeia de lés a lés.
Famílias, amigos, vizinhos, comadres diziam
– “A culpa foi do chão em xadrez.”
Zé Onofre