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021/11/28
Naquele dia,
Como em muitos outros dias
A ele iguais
As coisas aconteceram
Como deveriam acontecer.
O sol envergonhado,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Levantou-se fraco,
Após as longas viagens do Verão.
Custou-lhe, com os seus cansados braços,
Romper o manto cinzento
Tecido a pérolas líquidas.
Quando finalmente,
O sol mostrou o seu rosto descorado,
Como acontecia em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Já o dia ia longe na sua rotina
De todos os dias.
Desde a madrugada que os padeiros,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Trabalham arduamente.
Foram os primeiros a cumprimentar
O dia que custosamente amanhecia.
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Preparam o dejejum para os que cedo
Foram para o trabalho
De todos os dias.
Das padarias saiu
Para todos os lares o pão de cada dia.
De portas abertas toda a noite,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Os noctívagos folgazões da aldeia
Acolheram-se ao calor dos fornos
E dos pães quentes com manteiga.
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Também os tascos
Precisaram de ser servidos de pães
Antes que o movimento
Começasse a entrar pelas portas.
Eram os clientes de todos os dias
Que, como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Tiritantes e esfregando as mãos
Passariam pela porta entreaberta.
Camioneiros, viajantes de todas as estradas,
Operários da construção civil,
E outros que antes do trabalho duro
Metem uma bucha à boca.
Enquanto comentavam o tempo,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Dizem que aquele dia cinzento
É mais frio que o do ano passado.
Naquele dia,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Pararam desconhecidos,
Vindos de algures
E se dirigiam a nenhures
Pediram, foram servidos,
Calados comeramm
E calados se foram como chegaram.
Na escola em frente
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Os alunos chegaram
Rostos corados pelo esfregar das mãos
Que espantaram o frio.
As suas narinas eram chaminés
De onde fuminho pesado e húmido
Ficava suspenso frente aos seus olhos.
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Também naquele dia
O professor abriu-lhes a porta severa,
Seguindo-os para a sala.
De pé realizaram os preliminares da praxe.
Então, começaram verdadeiramente a aula.
Naquele dia a rotina fora a mesma,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia.
Períodos silenciosos,
Cortados pela fala zangada do professor,
Ou pelo som seco da “milagrosa”,
Nas frágeis mãozinhas das crianças,
Acompanhadas da oração do costume
- Se não te entra pela cabeça
Entra-te pela pele.
Mães de família,
Criadas das senhoras Donas,
Também naquele dia,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Fizeram as compras do dia.
Entretanto,
A criançada libertada da escola/gaiola
Quais pintassilgos selvagens
Apanhados traiçoeiramente em “alçapões”,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Jogaram à macaca,
Saltaram à macaca,
Deram voltas à igreja
Com promessas de pontapés na bola-de-trapos,
Mas as canelas é que se queixaram.
A noite anunciou-se.
A miudagem recolheu-se a casa
Ao mesmo tempo que os pais
Que, derreados, chegaram do trabalho.
Naquele dia,
Como em todos os outros dias
Iguais àquele dia,
Alguns homens desocupados
Jogaram à bisca lambida,
Enquanto bebericavam por uma caneca de grés
Uns golitos do verde tinto carrascão.
Ora, já entrada a noite daquele dia,
Que não seria como todos os outros dias
Que até aí tinham sido iguais àquele dia,
Um casal jovem entrou,
Cumprimentou baixinho os que estavam
E ainda com voz ténue perguntou ao taberneiro
- Onde podemos passar a noite?
Entretanto os batoteiros pararam de as bater,
Arrebitaram as orelhas.
Um, de ouvido mais apurado,
Levantou um pouco a voz,
Para não perturbar o silêncio,
Reforçado pelas sombras fantasmagóricas
Projectadas nas paredes pela fraca lâmpada,
Disse
- Só se for na padaria. Está aberta toda a noite,
Está quente do forno e há sempre sacos de farinha
Que servirão de cama e cobertor.
Dito isto levantou-se e acompanhou o casal
Ao albergue improvisado.
O Padeiro, acomodou-os o melhor que pôde
Num cantinho aconchegado.
O casal fatigado enfim teve descanso.
Foi na hora dos noctívagos folgazões chegarem
Que a jovem começou com dores.
Os amigos não foram servidos com pão e manteiga,
Eles é que serviram de parteiros,
Ao bebé que naquele momento nascia.
Zé Onofre